segunda-feira, 28 de julho de 2014

Regras: entre o apego excessivo 

e o estatuto para inglês ver


Por Vinícius Araújo


Na sociedade e até mesmo dentro de nossos lares não estabelecemos relações harmônicas com todos. Nas organizações não poderia ser diferente. As empresas não estão em um mundo à parte da sociedade, ao contrário, elas estão inseridas nela e, portanto são fortemente influenciadas cultural e socialmente. Existem conflitos, choques de ideologia, áreas que não conversam entre si, interesses de coalização dominante e muitas vezes negociações que burlam a regra. Será que a regra imposta no estatuto é sempre seguida não importando a situação? As decisões tomadas são impessoais? A igualdade burocrática ainda existe? Ou será que é impossível seguir à risca o que manda a burocracia?
Imagine-se vivendo a seguinte situação: Você acaba de passar em um concurso público de altíssima remuneração. É a realização de um sonho. Após ficar sabendo o resultado, começa a correria para providenciar uma série de documentos exigidos pela entidade. São cópias e mais cópias autenticadas, formulários a serem preenchidos, horas gastas em filas de cartórios, muitos e-mails com documentos scaneados, fotos 3x4 e outras exigências. Seguro de que todos os documentos pedidos estão completos e os formulários preenchidos, você resolve ir até o local onde a pilha de papel será entregue. Chegando lá, o funcionário começa a conferir todos os envelopes e percebe que está faltando preencher o formulário XPTO, da segunda guia localizada na parte superior da folha 225. Para preenchê-lo você gastará apenas 15 minutos, no entanto você não poderá fazer isso naquele momento, pois há um fila com outros candidatos que precisam ser atendidos. O atendente lhe pede para preencher o que está faltando em outro balcão, voltar para o final da fila, e aguardar sua vez para ser atendido novamente. Algo que provavelmente não durará menos que 1 hora.
Na situação relatada acima, não seria mais fácil o funcionário orientar a pessoa no momento do atendimento e resolver o problema de uma só vez? No entanto, no estatuto daquela empresa a regra é clara para situações como esta e o funcionário apenas a seguiu. O apego excessivo as regras burocráticas gera o que Merton chamava de disfunção da burocracia.
Robert Merton, por meio de seus estudos, sublinhou que os burocratas são treinados para confiar exclusivamente nas regras e procedimentos escritos. Sendo assim, eles não seriam encorajados a ser flexíveis e usar mais o seu raciocínio no momento de tomar as decisões. Ele ainda receava que a essa rigidez a regra levasse a um “ritualismo burocrático”, o que seria uma situação na qual as regras são protegidas a todo custo, mesmo nos casos em que outra situação pudesse ser melhor para a organização. Merton temia que chegássemos ao ponto de que a aderência às regras burocráticas pudesse assumir prioridade sobre os objetivos subjacentes à organização. Neste ponto, temos a disfunção da burocracia. Grande parte das pessoas tem uma imagem negativa da burocracia, talvez por serem tão acostumadas com as suas disfunções.
Acontece que se as regras forem seguidas à risca, conforme manda o estatuto da empresa, o sistema para, pane total. Imagine se um médico se recusa a atender um paciente que atrasou 15 minutos do horário marcado? Certamente seria um grande problema principalmente se o profissional fosse bastante requisitado. Sabe-se lá quando haveria uma nova vaga na agenda do médico. Não podemos ter apego excessivo às normas, pois eventualidades acontecem e precisamos estar aptos a trabalhar com a adversidade. O mundo corporativo muitas vezes é volátil, incerto, ambíguo, complexo.
Algumas empresas não permitem que os funcionários mantenham relações conjugais entre si. Mas ninguém controla os sentimentos alheios, não é verdade? O que fazer se um gerente se apaixonar por uma recepcionista? Ou se uma atendente mantiver relações amorosas com seu supervisor que é casado com analista de sistemas? Muitas vezes, essas e outras situações acontecem, e acreditem, não é de maneira velada. Todos da empresa sabem, mas as regras organizacionais não permitem. Como gestor dessa empresa, o que você faria?
Muitos gestores se omitem a tomar decisões como esta. Se ele seguir o que manda o estatuto, pode acontecer de os vínculos serem destruídos, a produtividade cair, os funcionários ficarem desmotivados e em alguns casos, não tão extremos, pedirem demissão. Mas, se ele não seguir o que manda o estatuto e permitir que as pessoas continuem mantendo relacionamentos amorosos, podem acontecer intrigas por ciúmes, perda de credibilidade por parte daqueles que seguem as regras e outras consequências.
Particularmente, acredito que o apego excessivo à burocracia causa seu principal problema: “o travamento do sistema”. Por outro lado, não podem existir estatutos apenas para “inglês ver”. Assim, cabe à organização impor somente aquilo que ela conseguirá cumprir. Em um ambiente corporativo, até mesmo com um exímio planejamento, situações novas aparecerão e algumas exceções terão que ser feitas, até mesmo porque, impessoalidade e igualdade burocrática são coisas que, literalmente, não existem nas organizações. 

7 comentários:

  1. As empresas hoje em dia, na minha opinião, procuram se tornar o ambiente de trabalho mais flexível, como por exemplo o google e facebook. Mesmo assim, seus colaboradores não deixam de seguir normas determinadas pela empresa.

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  2. Creio que no futuro as empresas se tornaram mais flexiveis, mesmo nos dias de hoje algumas já estão se tornando mais abertas!!!

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  3. De fato, o excesso de burocracia acaba prejudicando as empresas. Dessa forma, é necessário equilibrar as normas/estatutos, tanto no sentido de manter a ordem como no sentido de ser mais flexível.

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  4. Excelente texto, ainda mais por valorizar a existência dos imprevistos mesmo com o forte planejamento estratégico que cerca a empresa.

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  5. Por mais que algumas empresas sejam bastante burocráticas creio que daqui uns anos essas empresas burocráticas e as novas que surgirão no mercado se tornarão flexíveis , pois creio que o mercado acabará exigindo isso delas

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  6. Deve haver regras sim, mas de forma moderada, dando um espaço para a flexibilidade exigida em casos inesperados como o de relacionamentos amorosos citado acima. Ótimo texto Vinicius!

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  7. Curti o texto Vinicius,e seus exemplos,mostrando de forma clara o excesso de burocracia que ainda existe por parte de algumas empresas.

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