Regras: entre o apego excessivo
e o estatuto para inglês ver
Por Vinícius Araújo
Na
sociedade e até mesmo dentro de nossos lares não estabelecemos relações
harmônicas com todos. Nas organizações não poderia ser diferente. As empresas
não estão em um mundo à parte da sociedade, ao contrário, elas estão inseridas
nela e, portanto são fortemente influenciadas cultural e socialmente. Existem
conflitos, choques de ideologia, áreas que não conversam entre si, interesses
de coalização dominante e muitas vezes negociações que burlam a regra. Será que
a regra imposta no estatuto é sempre seguida não importando a situação? As decisões tomadas são impessoais? A igualdade burocrática ainda existe? Ou será que é impossível seguir à risca o que manda a burocracia?
Imagine-se
vivendo a seguinte situação: Você acaba de passar em um concurso público de
altíssima remuneração. É a realização de um sonho. Após ficar sabendo o
resultado, começa a correria para providenciar uma série de documentos exigidos
pela entidade. São cópias e mais cópias autenticadas, formulários a serem
preenchidos, horas gastas em filas de cartórios, muitos e-mails com documentos
scaneados, fotos 3x4 e outras exigências. Seguro de que todos os documentos
pedidos estão completos e os formulários preenchidos, você resolve ir até o
local onde a pilha de papel será entregue. Chegando lá, o funcionário começa a
conferir todos os envelopes e percebe que está faltando preencher o formulário
XPTO, da segunda guia localizada na parte superior da folha 225. Para
preenchê-lo você gastará apenas 15 minutos, no entanto você não poderá fazer
isso naquele momento, pois há um fila com outros candidatos que precisam ser
atendidos. O atendente lhe pede para preencher o que está faltando em outro
balcão, voltar para o final da fila, e aguardar sua vez para ser atendido
novamente. Algo que provavelmente não durará menos que 1 hora.
Na
situação relatada acima, não seria mais fácil o funcionário orientar a pessoa
no momento do atendimento e resolver o problema de uma só vez? No entanto, no
estatuto daquela empresa a regra é clara para situações como esta e o
funcionário apenas a seguiu. O apego excessivo as regras burocráticas gera o
que Merton chamava de disfunção da burocracia.
Robert
Merton, por meio de seus estudos, sublinhou que os burocratas são treinados
para confiar exclusivamente nas regras e procedimentos escritos. Sendo assim,
eles não seriam encorajados a ser flexíveis e usar mais o seu raciocínio no
momento de tomar as decisões. Ele ainda receava que a essa rigidez a regra
levasse a um “ritualismo burocrático”, o que seria uma situação na qual as
regras são protegidas a todo custo, mesmo nos casos em que outra situação
pudesse ser melhor para a organização. Merton temia que chegássemos ao ponto de
que a aderência às regras burocráticas pudesse assumir prioridade sobre os
objetivos subjacentes à organização. Neste ponto, temos a disfunção da
burocracia. Grande parte das pessoas tem uma imagem negativa da burocracia,
talvez por serem tão acostumadas com as suas disfunções.
Acontece
que se as regras forem seguidas à risca, conforme manda o estatuto da empresa,
o sistema para, pane total. Imagine se um médico se recusa a atender um
paciente que atrasou 15 minutos do horário marcado? Certamente seria um grande
problema principalmente se o profissional fosse bastante requisitado. Sabe-se
lá quando haveria uma nova vaga na agenda do médico. Não podemos ter apego
excessivo às normas, pois eventualidades acontecem e precisamos estar aptos a
trabalhar com a adversidade. O mundo corporativo muitas vezes é volátil,
incerto, ambíguo, complexo.
Algumas
empresas não permitem que os funcionários mantenham relações conjugais entre
si. Mas ninguém controla os sentimentos alheios, não é verdade? O que fazer se
um gerente se apaixonar por uma recepcionista? Ou se uma atendente mantiver
relações amorosas com seu supervisor que é casado com analista de sistemas?
Muitas vezes, essas e outras situações acontecem, e acreditem, não é de maneira
velada. Todos da empresa sabem, mas as regras organizacionais não permitem.
Como gestor dessa empresa, o que você faria?
Muitos
gestores se omitem a tomar decisões como esta. Se ele seguir o que manda o
estatuto, pode acontecer de os vínculos serem destruídos, a produtividade cair,
os funcionários ficarem desmotivados e em alguns casos, não tão extremos,
pedirem demissão. Mas, se ele não seguir o que manda o estatuto e permitir que
as pessoas continuem mantendo relacionamentos amorosos, podem acontecer intrigas
por ciúmes, perda de credibilidade por parte daqueles que seguem as regras e
outras consequências.
Particularmente,
acredito que o apego excessivo à burocracia causa seu principal problema: “o
travamento do sistema”. Por outro lado, não podem existir estatutos apenas para
“inglês ver”. Assim, cabe à organização impor somente aquilo que ela conseguirá
cumprir. Em um ambiente corporativo, até mesmo com um exímio planejamento,
situações novas aparecerão e algumas exceções terão que ser feitas, até mesmo
porque, impessoalidade e igualdade burocrática são coisas que, literalmente,
não existem nas organizações.
As empresas hoje em dia, na minha opinião, procuram se tornar o ambiente de trabalho mais flexível, como por exemplo o google e facebook. Mesmo assim, seus colaboradores não deixam de seguir normas determinadas pela empresa.
ResponderExcluirCreio que no futuro as empresas se tornaram mais flexiveis, mesmo nos dias de hoje algumas já estão se tornando mais abertas!!!
ResponderExcluirDe fato, o excesso de burocracia acaba prejudicando as empresas. Dessa forma, é necessário equilibrar as normas/estatutos, tanto no sentido de manter a ordem como no sentido de ser mais flexível.
ResponderExcluirExcelente texto, ainda mais por valorizar a existência dos imprevistos mesmo com o forte planejamento estratégico que cerca a empresa.
ResponderExcluirPor mais que algumas empresas sejam bastante burocráticas creio que daqui uns anos essas empresas burocráticas e as novas que surgirão no mercado se tornarão flexíveis , pois creio que o mercado acabará exigindo isso delas
ResponderExcluirDeve haver regras sim, mas de forma moderada, dando um espaço para a flexibilidade exigida em casos inesperados como o de relacionamentos amorosos citado acima. Ótimo texto Vinicius!
ResponderExcluirCurti o texto Vinicius,e seus exemplos,mostrando de forma clara o excesso de burocracia que ainda existe por parte de algumas empresas.
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